Há uns dez anos entrevistei o jurista João Uchôa Cavalcanti Netto, ex-juiz falecido no ano passado, para colher material para um roteiro de longa-metragem que escrevi com Péricles Barros. Foram mais de duas horas de uma boa conversa, onde ele enfatizou várias vezes que um juiz não existe para fazer justiça, pois a justiça é um conceito complicadíssimo, e que ele está ali apenas para garantir que as leis sejam aplicadas. Lá pelas tantas perguntamos o que se passa pela cabeça de um juiz quando ele tem que decidir sobre assuntos que a lei não alcança, não define a contento, que demanda uma interpretação, e a decisão do caso está, literalmente, em suas mãos. O que mais conta nessa hora? Sabedoria? Experiência? Lucidez? Nunca me esquecerei da resposta: "Podem dizer o que for, meu filho, mas o que conta é o caráter".
E foi o que faltou ontem.
Ninguém está dizendo aqui que a decisão de Celso de Mello foi ilegal, foi criminosa, nada disso. Tecnicamente ela é correta.
Advogadozinhos alvoroçados estão gritando o tempo todo "é legal, é legal, é legal" como se a legalidade fosse garantia de moralidade. Não é, nunca foi, e ninguém me ganha no grito. O que eles não comentam é que a decisão contrária também seria legal, tão respeitável e respaldada quanto.
Celso de Mello procurou não se indispor com o poder de plantão e decidiu pelo o que era mais cômodo para ele. Só isso.
Ainda durante a conversa com Uchôa, falamos de alguns casos de decisões estapafúrdias da nossa justiça e lembramos do absurdo que foi a absolvição de Fernando Collor, metido até o nariz em um escândalo de corrupção passiva no caso PC Farias, e que foi inocentado pelo nosso Supremo.
Hoje fiquei sabendo, nunca havia atentado: sabe quem já estava lá para inocentar o ex-presidente alagoano?
Adivinhem?
O próprio Celso de Mello.
O que vimos ontem foi apenas um belo exercício de história do Brasil. E duvidem, duvidem muito, com força, de quem diz que este STF é um dos melhores que já tivemos.
Nós nunca estivemos tão mal.
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