Arminio Fraga,
sócio fundador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central, vê uma
"certa tensão no ar" causada pelo modelo de flexibilização da
política econômica que vem sendo seguido desde o segundo mandato do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para Arminio, o governo deu
recentemente sinais tímidos de reversão parcial desse modelo, especialmente na
política do Banco Central, mas que ainda estão longe de apontar para um caminho
mais seguro para a economia brasileira.
Em entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência
Estado, ele lembra que ajustes geralmente não ocorrem em anos de eleição, mas o
próprio temor do custo eleitoral da inflação, por parte do governo,
"alinha os incentivos políticos e econômicos".
Em contato constante com o presidenciável tucano Aécio Neves,
Arminio não descarta participar do governo, embora ressalve que esse é um
assunto a ser tratado com o candidato, e não com ele. O ex-presidente do BC
também manifestou simpatia pelas ideias da dupla Eduardo Campos e Marina Silva.
Arminio acha que o adiamento do "tapering" (a redução
gradual do programa de compra de títulos de longo prazo pelo Federal Reserve, o
BC americano) foi uma "postergação do encontro com a realidade", e
alerta que a expectativa sobre a normalização da política monetária é de que
"não ocorra de forma totalmente suave". Ele lembra que o Brasil, com
déficit em conta corrente, alta inflação e questionamentos sobre a condução
fiscal, está particularmente vulnerável.
A situação brasileira ficou mais tranquila com a decisão do Fed
de não começar o "tapering" em setembro?
Isso só vai adiar o momento em que a política monetária americana e em vários outros países vai voltar à normalidade. São anos de juro zero, com os bancos centrais comprando títulos e, de certa maneira, avançando num território muito desconhecido, de políticas não convencionais. Esse ambiente de alta liquidez, os bancos centrais com essa posição muito assimétrica, sempre com viés de injetar liquidez, o quanto for necessário - tudo isso vai ficar para trás. A expectativa é de que isso não ocorra de forma totalmente suave, e essa expectativa continua. Houve uma postergação desse encontro com a realidade.
Isso só vai adiar o momento em que a política monetária americana e em vários outros países vai voltar à normalidade. São anos de juro zero, com os bancos centrais comprando títulos e, de certa maneira, avançando num território muito desconhecido, de políticas não convencionais. Esse ambiente de alta liquidez, os bancos centrais com essa posição muito assimétrica, sempre com viés de injetar liquidez, o quanto for necessário - tudo isso vai ficar para trás. A expectativa é de que isso não ocorra de forma totalmente suave, e essa expectativa continua. Houve uma postergação desse encontro com a realidade.
Por que o Fed adiou o "tapering"?
Foi motivado pelos próprios dados, a inflação americana continua muito baixa. Nos últimos três anos, o Fed projetou um crescimento do PIB mais alto do que acabou acontecendo. Eles estão de fato querendo sair dessa política de juro zero com muito cuidado. Mas não significa que não vão, em algum momento, mudar.
Foi motivado pelos próprios dados, a inflação americana continua muito baixa. Nos últimos três anos, o Fed projetou um crescimento do PIB mais alto do que acabou acontecendo. Eles estão de fato querendo sair dessa política de juro zero com muito cuidado. Mas não significa que não vão, em algum momento, mudar.
Mas a conjuntura brasileira parece melhor do que em meados do
ano?
Aqui no Brasil, a sensação de frustração com crescimento baixo e
inflação alta é grande, e também não desapareceu. Há alguns sinais aqui e ali,
mas nada que represente uma mudança mais radical na direção de um crescimento
mais alto e de uma inflação mais baixa.
Como o sr. avalia a atuação recente do Banco Central?
O Banco Central vem cumprindo o seu papel de apertar a política
monetária, após um período longo de inflação acima da meta. Não só acima da
meta, como também uma inflação que vem se "beneficiando" de controles
de preços, como os combustíveis e as tarifas de transporte urbano - e também de
subsídios. A inflação subjacente deve ter andado por um tempo acima de 7%. É bom
que o Banco Central tenha voltado para as suas raízes, depois de um período
difícil para a instituição.
O sr. acha que esse retorno do BC a uma posição mais ortodoxa
indica uma mudança mais geral da orientação da política econômica?
Ao longo desses meses, até antes das manifestações, o governo
anunciou que voltaria a leiloar aeroportos e áreas de petróleo. E reconheceu
também que precisava revisar os termos das concessões rodoviárias e
ferroviárias, contribuiu para a aprovação de uma nova Lei dos Portos, e assim por
diante. Então o governo sinalizou mudança de posição nessas áreas. Mas são
sinais ainda preliminares, e há muitos desafios, tanto de formulação quanto de
execução. Eu não diria que foram sinais fortes. E vem misturado com muito do
modelo que já vem desde o segundo mandato do presidente Lula. Já são vários
anos desse modelo.
Quais os problemas desse modelo?
O governo continua, até prova do contrário, com uma postura
geral muito fechada, antiquada. Repetindo muita coisa que a gente já viveu,
principalmente nos anos 70, no governo Geisel. Um modelo com foco nas estatais,
e com a economia bastante fechada. Não levo fé nesse governo como fórmula para
o nosso sucesso a longo prazo. Ao contrário, acho que, se não for modificado,
vai nos dar dor de cabeça.
O sr. poderia dar exemplos concretos de como esse modelo se
aplica hoje no Brasil?
Há uma ênfase muito grande no papel dos bancos públicos. E
também muita ênfase na Petrobrás - curiosamente, no mesmo momento em que a
Petrobrás tem de assumir uma responsabilidade muito grande no setor, asfixiou o
seu caixa. O crescimento do crédito, tanto público quanto privado, traz
problemas, aqui, na China, nos Estados Unidos. Pode dar alguma ressaca mais na
frente. Eu não discrimino entre público e privado, o setor privado também fez
as maiores loucuras e bobagens em termos de crédito nos últimos anos. Qualquer
movimento de crescimento de crédito muito acelerado tem de ser encarado com
bastante receio. É o caso aqui.
Como o sr. vê a posição externa do Brasil?
Caminhamos para um déficit em conta corrente de quase 4% do PIB
num momento em que o financiamento pode ficar mais escasso. É um quadro ainda
bastante delicado. O Bernanke (Ben Bernanke, presidente do Fed) tirou o time do
campo em setembro, mas os fatos mais adiante vão exigir a normalização da
política monetária americana. Nesse momento, os países que dependem mais de
financiamento, que têm déficit em conta corrente e inflação alta, vão sentir. A
gente está exatamente nessa situação, e, inclusive, com nossa situação fiscal sendo
questionada.
Qual a sua opinião sobre a política fiscal hoje?
Acredito que a meta de superávit primário deveria ser superior a 2% do PIB. O Brasil tem uma dívida bruta de 60% do PIB, até mais, dependendo do critério que se usa. Nossa dívida é alta, nosso juro real é alto, nossa dívida de longo prazo paga um juro real de 5,8%, as NTN-B de prazo mais longo. É muito alto. Temos de ter um modelo macro que crie condições para que essa taxa de juros possa cair, de forma sustentável. Não é um ato de voluntarismo que vai gerar isso. É uma sequência de resultados, reforçados por defesas institucionais, que vai nos levar a um juro real normal, de 2%, 3% ao ano de longo prazo.
Acredito que a meta de superávit primário deveria ser superior a 2% do PIB. O Brasil tem uma dívida bruta de 60% do PIB, até mais, dependendo do critério que se usa. Nossa dívida é alta, nosso juro real é alto, nossa dívida de longo prazo paga um juro real de 5,8%, as NTN-B de prazo mais longo. É muito alto. Temos de ter um modelo macro que crie condições para que essa taxa de juros possa cair, de forma sustentável. Não é um ato de voluntarismo que vai gerar isso. É uma sequência de resultados, reforçados por defesas institucionais, que vai nos levar a um juro real normal, de 2%, 3% ao ano de longo prazo.
Recentemente, Nelson Barbosa, ex-secretário executivo da
Fazenda, sugeriu um intervalo de meta de superávit primário. O que o sr. acha
da proposta?
Há muitos anos defendo que se mantenha um superávit primário
relativamente elevado para padrões globais, talvez algo em torno de 3% do PIB,
mas que haja algum espaço para acomodar o ciclo, não tanto do lado da despesa -
embora isso também possa. e até deva, ser usado em momentos mais extremos -,
mas sim pelo lado da receita, os chamados estabilizadores automáticos. Então,
você fez uma projeção bem feita para ter um primário de 3% do PIB com a economia
crescendo 3%. Se ela crescer 5%, seu primário vai ser maior, e você não gasta
de maneira pró-cíclica. E o mesmo, claro, ocorre na outra direção. Mas acho que
o governo deveria ter uma meta, um número fixo, com flexibilidade para ficar
acima ou abaixo de acordo com a realidade do ciclo econômico.
E a proposta de reduzir o custo da dívida dos Estados?
É bastante controversa num momento como este. Na minha leitura,
pode ser uma chance perdida de se reformar para valer o ICMS. Isso seria uma
ficha de barganha muito boa, que dá uma certa margem para acomodar perdas e
pressões e viabilizar a reforma. Temos de deixar de ter uma enciclopédia de
ICMS por Estado para ter um livrinho para o País todo.
O sr. acha que o Brasil pode enfrentar turbulências à frente? 2014
é um ano eleitoral...
Há uma certa tensão no ar. O spread da dívida aumentou. Há um
receio de que esse processo continue se não houver uma reversão nessa
trajetória de flexibilização da política macro. Isso, historicamente, não só no
Brasil, mas em toda a parte, não tende a ocorrer em ano de eleição. A reversão
dessa flexibilização pode ficar prejudicada por um ano de eleição. Por outro
lado, é claro que o governo entende que, se for chegando perto da data das
eleições, e a inflação estiver incomodando, ele vai pagar um preço. Nesse
sentido, os incentivos políticos estão alinhados com os econômicos. Quer dizer,
não é um terreno muito fácil para populismo. Outro aspecto é que, curiosamente,
e ao contrário de 2002, há uma expectativa de que, se a oposição ganhar, a
política econômica melhore.
Por falar nisso, o sr. tem estreitos contatos com o candidato
tucano, Aécio Neves.
Tenho conversado bastante com o Aécio. Não vejo o meu papel como de campanha, mas se puder ajudar, eu pretendo fazê-lo.
Tenho conversado bastante com o Aécio. Não vejo o meu papel como de campanha, mas se puder ajudar, eu pretendo fazê-lo.
As ideias dele convergem com as que o sr. expôs nesta
entrevista?
Acho que sim, mas não tenho procuração para falar pelo Aécio. Mais do que essas ideias, ele tem experiência de governo extraordinária em Minas, de acreditar em boa gestão, em meritocracia, na eficiência do Estado. Isso é fundamental, porque mostra que não só faz parte da maneira como ele pensa, mas é a maneira como agiu.
Acho que sim, mas não tenho procuração para falar pelo Aécio. Mais do que essas ideias, ele tem experiência de governo extraordinária em Minas, de acreditar em boa gestão, em meritocracia, na eficiência do Estado. Isso é fundamental, porque mostra que não só faz parte da maneira como ele pensa, mas é a maneira como agiu.
O sr. cogitaria uma participação no governo caso Aécio ganhasse?
Não está na hora de se ter esse tipo de discussão. Eu já participei duas vezes de governo, não posso descartar, de jeito nenhum. Mas é um tema que tem de ser discutido com o Aécio, não comigo.
Não está na hora de se ter esse tipo de discussão. Eu já participei duas vezes de governo, não posso descartar, de jeito nenhum. Mas é um tema que tem de ser discutido com o Aécio, não comigo.
O que o sr. acha da união da candidatura de Eduardo Campos e Marina
Silva?
Estou começando a acompanhar mais de perto as declarações do
governador Eduardo Campos. Ele tem o crédito de ter feito um bom governo em
Pernambuco, embora eu não conheça os detalhes. O caso da Marina é interessante.
Está se assessorando com economistas como Eduardo Gianetti e André Lara
Resende, o que, a meu ver, dá um sinal muito positivo.
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