Qual baderna?
Contardo Calligaris - Folha de São Paulo 27/junho/2013
A sensação de injustiça é exacerbada
pela constatação de que muitos representantes procuram ser eleitos para ganhar
acesso à dita cidadania VIP. Por isso, hoje, circulam aos borbotões, na
internet, propostas de reforma política em que, por exemplo:
1) os membros do
Legislativo e do Executivo seriam obrigados a recorrer, para eles mesmos e para
seus filhos, aos serviços da educação e da saúde públicas,
2) os congressistas
não teriam nenhum regime privilegiado de aposentadoria,
3) os congressistas não
poderiam votar o aumento de seus próprios salários etc.
Para piorar, os representantes parecem
se preocupar pouco com os compromissos de seu mandato e muito com sua própria
permanência nos privilégios do poder. Por isso, por exemplo, eles compõem
alianças que desrespeitam e humilham seus próprios eleitores.
Nesse contexto espantoso, é patética a
indignação com os "baderneiros" e mesmo com a margem de delinquentes
comuns que se agregaram às manifestações.
O poder, quando não é efeito de graça
divina, vem dos próprios cidadãos e é condicional: só posso reconhecer e
respeitar a autoridade que me reconhece e me respeita. Uma autoridade que me
desrespeita merece uma violência equivalente à que ela exerce contra mim.
Além disso, é bom não perder o senso
das proporções. "Olhe, olhe!", grita um repórter, enquanto a tela
mostra alguém que foge de uma loja saqueada levando algo no ombro. Tudo bem,
estou olhando e não estou gostando, mas minha indignação é mais antiga e por
saques muito maiores.
Outro repórter pensa nos coitados que
perderão o avião, em Cumbica, por causa dos manifestantes que bloqueiam o
acesso ao aeroporto. Mas o verdadeiro desrespeito é o de nunca ter construído
uma linha de trem entre São Paulo e o maior aeroporto do país.
O ministro Antonio Patriota se
declarou indignado com o vandalismo contra o Palácio do Itamaraty. Com um pouco
de humor negro, eu poderia suspeitar que os apedrejadores talvez tenham
precisado um dia dos serviços de um consulado no exterior. Mas, deixemos.
Apenas pergunto: se esses forem vândalos, então o que são, por exemplo, os
latifundiários desmatadores da Amazônia?
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