04/01/2013

Coices e relinchos


Nelson Motta - 04 de janeiro de 2013 - O ESTADO DE SÃO PAULO


A maneira mais estúpida, autoritária e desonesta de responder a alguma crítica é tentar desqualificar quem critica, porque revela a incapacidade de rebatê-la com argumentos e fatos, idéias e inteligência. A prática dos coices e relinchos verbais serve para esconder sentimentos de inferioridade e mascarar erros e intenções, mas é uma das mais populares e nefastas na atual discussão política no Brasil.
A outra é responder acusando o adversário de já ter feito o mesmo, ou pior, e ter ficado impune. São formas primitivas e grosseiras de expressão na luta pelo poder, nivelando pela baixaria, e vai perder tempo quem tentar impor alguma racionalidade e educação ao debate digital.
Nem nos mais passionais bate-bocas sobre futebol alguém apela para a desqualificação pessoal, por inutilidade. Ser conservador ou liberal, gay ou hetero, honesto ou ladrão, preto ou branco, petista ou tucano, não vai fazer o gol não ser em impedimento, ser ou não ser pênalti. Numa metáfora de sabor lulístico, a política é que está virando um Fla-Flu movido pelos instintos mais primitivos.
Na semana passada, Ferreira Gullar, considerado quase unanimemente o maior poeta vivo do Brasil, publicou na Folha de S. Paulo uma crônica criticando o mito Lula com dureza e argumentos, mas sem ofensas nem mentiras. Reproduzida em um "site progressista", com o habitual patrocínio estatal, a crônica foi escoiceada pela militância digital.
Ler os cento e poucos comentários, a maioria das mesmas pessoas, escondidas sob nomes diferentes, exigiria uma máscara contra gases e adicional de insalubridade, mas uma pequena parte basta para revelar o todo. Acusavam Gullar, ex-comunista, de ter se vendido, porque alguém só pode mudar de idéia se levar dinheiro, relinchavam sobre a sua idade, sua saúde, sua virilidade, sua aparência, sua inteligência, e até a sua poesia. E ninguém respondia a um só de seus argumentos.
Mas quem os lê? Só eles mesmos e seus companheiros de seita. E eu, em missão de pesquisa antropológica. Coitados, esses pobres diabos vão morrer sem ter lido um só verso de Gullar, sem saber o que perderam.
Nelson Motta - O Estado de S.Paulo

2 comentários:

  1. Penso que a mídia é conservadora e Nelson Mota é parte dela desde sua adolescência. Mas, não me importam as críticas de Gullar de quem gosto muito e tampouco a boa verve de Nelson Mota. Simpático instigador da cultura popular brasileira.

    O que preocupa-me é o alvo de tantos debates. Críticos e defensores do PT, Lula, PSDB, FHC, etc voltam seus canhões uns contra os outros, pois são iguais e querem a permanência da frágil instituição republicana do Brasil.

    Há uma peça sendo encenada e a plateia somente assiste as técnicas cênicas dos atores, contudo o texto que não tem lógica. Trata-se do cão querendo morder o próprio rabo.

    Todos criticam gregos e troianos e se esquecem da decadência das instituições. Este é o ponto que não entra em pauta, pois não interessa.

    Por outro lado, ao se analisar a produção jornalística em geral: conservadora ou progressista, deve-se ficar alerta que esta produção reflete o cotidiano. No dia seguinte os jornais embrulham peixes no Ceasa.

    O cotidiano é heterogêneo e fragmentado, os cidadãos dão respostas de imediato ao que se lhes cobram no dia a dia, sem a devida reflexão sobre os nexos dos fenômenos que ele apenas vê na aparência e seu critério para sua prática é a utilidade imediata. Como na tragédia grega, o cidadão comum sabe que morre ao final, mas continuam "tirando vantagem em tudo". Não há reflexão.

    A produção midiática conservadora ou não expressa este tipo de conhecimento. Um texto mais denso e mais analítico não é lido. Não vende jornal. O direito à informação é uma mercadoria. Este é outro ponto.

    Por isso, penso que antes de colocarmos o foco de nossa atenção somente na briga destes pit bulls, deveríamos olhar para além dela. Isso é muito prudente e evita exposições desnecessária. João dos Reis Silva Júnior.

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