Ferreira Gullar - 30/12/2012 – Folha de São Paulo
Muitos
de vocês, como eu também, hão de se perguntar por que, depois de tantos
escândalos envolvendo os dois governos petistas, a popularidade de Dilma e Lula
se mantém alta e o PT cresceu nas últimas eleições municipais. Seria muita
pretensão dizer que sei a resposta a essa pergunta. Não sei, mas, porque me
pergunto, tento respondê-la ou, pelo menos, examinar os diversos fatores que
influem nela.
Assim,
a primeira coisa a fazer é levar em conta as particularidades do eleitorado do
país e o momento histórico em que vivemos. Sem pretender aprofundar-me na
matéria, diria que um dos traços marcantes do nosso eleitorado é ser
constituído, em grande parte, por pessoas de poucas posses e trabalhadores de
baixos salários, sem falar nos que passam fome.
Isso
o distingue, por exemplo, do eleitorado europeu, e se reflete consequentemente
no conteúdo das campanhas eleitorais e no resultado das urnas. Lá, o neopopulismo
latino-americano não tem vez. Hugo Chávez e Lula nem pensar.
Historicamente,
o neopopulismo é resultante da deterioração do esquerdismo revolucionário que
teve seu auge na primeira metade do século 20 e, na América Latina, culminaria
com a Revolução Cubana. A queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética
deixaram, como herança residual, a exploração da desigualdade social, já não
como conflito entre o operariado e a burguesia, mas, sim, entre pobres e ricos.
O PT é exemplo disso: nasceu prometendo fazer no Brasil uma revolução
equivalente à de Fidel em Cuba e terminou como partido da Bolsa Família e da
aliança com Maluf e com os evangélicos.
Esses
são fatos indiscutíveis, que tampouco Lula tentou ocultar: sua aliança com os
evangélicos é pública e notória, pois chegou a nomear um integrante da seita do
bispo Macedo para um de seus ministérios. A aliança com Paulo Maluf foi
difundida pela televisão para todo o país. Mas nada disso alterou o prestígio
eleitoral de Lula, tanto que Haddad foi eleito prefeito da cidade de São Paulo
folgadamente.
E
o julgamento do mensalão? Nenhum escândalo político foi tão difundido e
comprovado quanto esse, que resultou na condenação de figuras do primeiro
escalão do PT e do governo Lula. Não obstante, o número de vereadores petistas
aumentou em quase todo o país.
E
tem mais. Mal o STF decidiu pela condenação de José Dirceu, José Genoino e
Delúbio Soares, estourava um novo escândalo, envolvendo, entre outros, altos
funcionários do governo, Rose Noronha, chefe do gabinete da Presidência da
República em São Paulo e pessoa da confiança e da intimidade de Lula.
Em
seguida, as revelações feitas por Marcos Valério vieram demonstrar a
participação direta de Lula no mensalão. Apesar de tudo isso, a última pesquisa
de opinião da Datafolha mostrou que Dilma e Lula continuam na preferência de
mais de 50 % da opinião pública.
Como
explicá-lo? É que essa gente que os apóia aprova a corrupção? Não creio. Afora
os que apóiam Lula por gratidão, já que ele lhes concedeu tantas benesses, há
aqueles que o apóiam, digamos, ideologicamente, ainda que essa ideologia quase
nada signifique.
Esse
é um ponto que mereceria a análise dos psicólogos sociais. O cara acha que Lula
encarna a luta contra a desigualdade, identifica-se com ele e, por isso, não
pode acreditar que ele seja corrupto. Consequentemente, a única opção é admitir
que o Supremo Tribunal Federal não julgou os mensaleiros com isenção e que a
imprensa mente quando divulga os escândalos.
O
que ele não pode é aceitar que errou todos esses anos, confiando no líder.
Quando no governo Fernando Henrique surgiu o medicamento genérico, os lulistas
propalaram que aquilo era falso remédio, que os compridos continham farinha. E
não os compravam, ainda que fossem muito mais baratos. Esse tipo de eleitor
mente até para si mesmo.
Não
obstante, uma coisa é inegável: os dirigentes petistas sabem que tudo é
verdade. O próprio Lula admitiu que houve o mensalão ao pedir desculpas
publicamente em discurso à nação.
Por
isso, só lhes resta, agora, fingirem-se de indignados, apresentarem-se como
vítimas inocentes, prometendo ir às ruas para denunciar os caluniadores. Mas
quem são os caluniadores, o Supremo Tribunal e a Polícia Federal? Essa é uma
comédia que nem graça tem.
Ferreira
Gullar - 30/12/2012 – Folha de São Paulo
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