A nova lei desestimula a
pós-graduação, as pesquisas universitárias e o interesse de grandes talentos
pela profissão
O novo Plano de Carreiras e Cargos
de Magistério Federal - aprovado pela presidente Dilma Rousseff "no apagar das luzes" de 2012, em 31
de dezembro - representa um retrocesso para o país. A avaliação é de
especialistas e acadêmicos que se mostram surpresos com a velocidade
"meteórica" com que a matéria tramitou no Congresso Nacional.
No entender do cientista Walter
Colli, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e membro da
Academia Brasileira de Ciências (ABC), a nova lei desestimula a pós-graduação,
as pesquisas universitárias e o interesse de grandes talentos pela profissão.
Isso porque a promoção para a categoria de professor titular "valoriza em
demasia a progressão temporal" em detrimento do mérito acadêmico e
científico.
Em meio à tramitação do projeto na
Câmara e no Senado Federal, a SBPC e ABC
encaminharam, no fim de 2012, um manifesto aos parlamentares alertando sobre os
riscos que o PL acarretaria à carreira dos professores de universidades
públicas federais. Mesmo assim, a tramitação da matéria surpreendeu cientistas
que depositavam na presidente Dilma a expectativa de vetá-lo.
"Foram detectados aspectos que poderão
trazer graves dificuldades, problemas e, por que não dizer, retrocesso, para as
Universidades Federais Brasileiras, principalmente no que tange a qualidade da
Pesquisa e do Ensino de Graduação e Pós-Graduação", destaca a nota
(disponível em http://www.sbpcnet.org.br/site/busca/mostra.php?id=1800)
assinada pela presidente da SBPC, Helena Nader, e pelo presidente da ABC, Jacob
Palis.
O Ministério da Educação, por
intermédio da assessoria de comunicação, informa que o novo Plano tem por
objetivo "buscar a valorização da dedicação exclusiva", igualmente a
titulação dos docentes, embora acadêmicos e cientistas afirmem o
contrário.
A lei estabelece cinco etapas na
carreira do magistério federal - professor auxiliar, assistente, adjunto,
associado e titular - que devem ser conquistadas por concurso público exigindo
apenas o diploma de graduação. Hoje para ingressar no magistério da USP
(estadual), por exemplo, o professor tem de ser portador do título de doutor.
Assim também era para as universidades federais, até a promulgação dessa nova
Lei.
"Para exemplificar, no meu caso, cheguei
ao cargo de professor titular na USP, mas se quisesse fazer parte do corpo
docente regular de uma universidade federal teria de prestar concurso para
professor auxiliar, na base do novo sistema e lá ficar por três anos, pelo menos.
No entanto, como obtive o título de doutor há mais de 20 anos posso entrar para
uma nova categoria denominada com o estranho nome de Cargo Isolado de Professor
Titular-Livre do Magistério Superior", analisa o cientista.
Diante do novo modelo, o mesmo resultado não
será obtido por um grande cientista que tenha o título de doutor há menos de 20
anos, já que ele terá de recomeçar sua carreira da base.
"Para aspirar subir um pouco
mais, ser um professor assistente, ele teria de esperar um intervalo de dois
anos", exemplifica Colli, ex-presidente da CTNBio , também atual Segundo
Tesoureiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Esse
tipo de escalonamento, segundo Colli, afasta os melhores talentos das
universidades públicas federais.
Com a mesma opinião, a professora
associada do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Debora Foguel, destaca que, no modelo anterior, a posição de
professor titular na universidade pública federal era alcançada por um novo
concurso, avaliado por uma banca altamente qualificada.
"Somente os professores com grande mérito
acadêmico com destacada contribuição na pesquisa alcançavam tal nível
diferenciado", lamenta Debora, pro-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da
mesma universidade e membro titular da ABC.
"Certamente quem o redigiu parece
desconhecer o ambiente universitário, a pesquisa e a inovação que temos
procurado trazer para dentro de nossas universidades", salienta a
pesquisadora.
Impacto nas pesquisas - Para Colli, exigir apenas o título de
graduação no inicio da carreira de magistério reduz a importância da
pós-graduação no Brasil e, por tabela, as pesquisas universitárias que hoje
respondem pela maioria das pesquisas científicas nacionais. Dessa forma, ele vê necessidade de mudanças na
Lei, sobretudo no artigo 8º propondo que
o ingresso na carreira do magistério superior seja realizado por concurso
público de vários níveis. Isto é, para a categoria de professor auxiliar
exigindo diploma de graduação; para a de professor assistente com a exigência
de títulos de mestre; e a professores adjunto e associado para pessoas com
nível de doutor.
"Assim, seria possível atrair pessoas
melhores para os concursos, valorizando a nossa pós-graduação", disse.
Com a nova Lei, Colli acredita que a
universidade pública se aproxima das universidades privadas que não exigem,
pelo menos a maioria delas, o título de mestre ou de doutor para lecionar,
pagando, assim, salários relativamente menores.
Retrocesso no número de doutores
- Na avaliação de Débora, o novo
plano de carreira do magistério federal tende a retardar a chegada do Brasil no
time dos países que apresentam relação de doutores por número de habitantes
mais justa.
No Brasil, o número de portadores de títulos
de doutorado proporcionalmente ao número de habitantes é um dos mais baixos do
mundo. Conforme consta do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) de 2011 a
2020, existem no país 1,4 doutores titulados por cada mil habitantes na faixa
etária entre 25 e 64 anos, na frente apenas da Argentina, com 0,2 doutores, na
mesma comparação. O número brasileiro fica aquém do observado em países
desenvolvidos como Suíça, no topo do ranking, com 23 doutores em um universo de
mil habitantes; Alemanha, com 15,4; e Estados Unidos, com 8,4.
Evitando entrar no mérito do novo
plano de carreira do magistério, o assessor da Organização das Nações Unidas
para a educação, a ciência e a cultura (Unesco ) no Brasil, o professor Célio
da Cunha, considera baixo o número de
doutores no Brasil em relação ao de habitantes. O ideal, analisa, seria o
Brasil se aproximar dos Estados Unidos, titulando cinco a seis doutores por mil
habitantes.
Inconstitucionalidade -
Colli define o novo Plano como "concentrador e paternalista" por atribuir
ao Ministério da Educação (MEC) a prerrogativa de avaliar os cursos e os
critérios de promoção dos docentes, contrariando o artigo 207 da Constituição
Federal que concede autonomia às
universidades do ponto de vista didático e administrativo.
"Se diluem todos os ganhos que
tivemos até agora com a pós-graduação e com a experiência das universidades no
aperfeiçoamento das avaliações de mérito", lamenta Colli.
(Viviane Monteiro, Jornal da
Ciência)