Talvez uma tentativa tola de desmistificar a ojeriza que alguns tem à bossa-nova (ou aos intérpretes que usam os tiques característicos
da batida).
Relendo o livro do Caetano Veloso doze anos após a primeira leitura, encontrei alguns parágrafos
esclarecedores e, tirando alguns fatos que julguei desimportantes, alinhavei
alguns trechos que julguei relevantes para uma audição isenta desse belo
momento da música brasileira.
As gravações citadas pelo Caetano e mais algumas que achei interessantes pois não acho que sejam dispensáveis; vale a pena prestar atenção ao arranjo de cordas na gravação do João
Gilberto, meio canção-norte-americana-da-década-de-40,
de autoria do alemão Klaus Ogerman (ou: como um quase-bolero, vira um
grande samba).
Escreve Caetano Veloso:
" ... há, entre as mais belas melodias que a cantora Maysa - uma
linda mulher de dezoito anos e selvagens olhos verdes que, com sua voz rouca,
transformou-se da noite para o dia, de jovem senhora da alta sociedade
paulista, em fetiche do mundo boêmio - gravou, uma composição de Tom Jobim e Newton Mendonça da fase pré bossa-nova, um autêntico samba-canção chamado ´Caminhos
cruzados`, que João Gilberto veio a regravar anos depois. É útil comparar essas
duas gravações para entender o significado do gesto fundamental da invenção da
bossa-nova ... a interpretação de João é mais introspectiva que a da Maysa e
também violentamente menos dramática; mas, se na gravação dela os elementos
essenciais do ritmo original do samba foram lançados ao esquecimento quase
total pela concepção do arranjo e, sobretudo, pelas inflexões do fraseado, na
dele chega-se a ouvir - com o ouvido interior - o surdão de um bloco de rua
batendo com descansada regularidade de ponta a ponta da canção. É uma aula de como
o samba pode estar inteiro mesmo nas suas formas mais aparentemente
descaracterizadas; um modo de, radicalizando o refinamento, reencontrar a mão
do primeiro preto batendo no couro do primeiro atabaque no nascedouro do samba
... essa gravação me mostrou o samba-samba que estava escondido num
samba-canção que, se não fosse por ele, ia fingir para todo o sempre que era só
uma balada ..." (Veloso, Caetano.Verdade Tropical. São
Paulo. Ed. Companhia das Letras. 1997, p.39-40)
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